Tenho percebido uma onda de insatisfação crescente com os modelos educacionais vigentes. Uma onda sem fronteiras, que se espalha rapidamente pelo mundo todo. Afinal, não basta revolucionar nosso quintal, se nossos filhos vão ganhar as ruas em breve. Precisamos lutar por transformar um cenário cada vez maior, se queremos um mundo melhor para eles.
“Uma questão essencial está na ideia de emprego. Quem disse que nascemos para procurar emprego? A escola? Os professores? Os livros? Sua religião? Seus pais? Alguém colocou isso na cabeça das pessoas. O sistema educacional repete: ‘você tem que trabalhar duro’. Seres humanos não nasceram pra isso. O ser humano é cheio de poder criativo, mas o sistema o reduz a mero trabalhador, capaz de fazer trabalhos repetitivos. Isso é vergonhoso, está errado“, diz o banqueiro dos pobres, Muhamad Yunus, um economista de Bangladesh, fundador do Grameen Bank e ganhador do Nobel de 2006. O Banco nasceu da ideia de emprestar dinheiro às pessoas de baixíssima renda, fomentando novos negócios. Yunus é um ferrenho defensor do empreendedorismo como forma de liberdade individual e queda da concentração de renda, que infelizmente só cresce no mundo.
No Brasil, aumenta gradativamente a procura por novos modelos de ensino superior. A velha e conhecida angústia gerada pela necessidade urgente de se decidir por uma carreira entre 16 e 18 anos, está dando lugar a ambientes mais experimentais, que promovem vivências no mundo real e abrem oportunidades. Movimentos como o Uncollege e a nova Universidade Minerva mostram que é possível abrir uma outra estrada de possibilidades para esses jovens. O Uncollege, uma espécie de “ano sabático” em que o jovem roda o mundo e tem contato com várias experiências em vez de ingressar logo numa universidade, é uma iniciativa criada pelo norte-americano Dale Stephens, que esteve recentemente no Brasil. Stephens foi premiado pela revista Forbes, como um dos jovens mais inovadores na educação. Os críticos dizem que o Uncollege não se trata de algo revolucionário, mas pode ser um primeiro passo para mudar o sistema.
Em julho deste ano, o MEC montou um grupo de trabalho, integrado pelo educador José Pacheco, para identificar práticas inovadoras na educação básica brasileira. A ideia é coletar inovações diversas praticadas em todo o país, que sirvam de inspiração para uma mudança no nosso modelo curricular. Trabalho hercúleo, mas absolutamente necessário.
Percebo que essa inquietação e essa busca por mudanças parte dos próprios jovens, cada vez mais cedo. Se é dada a eles a mínima oportunidade de pensar sobre o assunto e conhecer novos modelos, o caminho natural é questionar a norma vigente. Fiquei encantada com a palestra do Logan LaPlante, um menino de apenas 13 anos, que desde os 9 saiu da escola e reinventou para si mesmo sua própria educação. Ele se orienta pelo Hackschooling, uma metodologia baseada no comportamento dos hackers da internet, baseada em muita tentativa, erro e experimentação constante.
Outro dia, acidentalmente, encontrei o blog da Samara, que fala sobre diversos assuntos, mas também sobre educação. Ela escancara sua insatisfação com o sistema norte-americano de ensino e mostra as mesmas inquietudes e questionamentos tão falados aqui. Esse sistema mostra-se, na opinião da blogueira, totalmente falido e prejudicial à formação de crianças e jovens. Ela é apenas uma mãe, como eu, em busca de respostas para perguntas que ainda estamos aprendendo a formular. Seu desabafo é daquelas coisas que vale a pena compartilhar.
A tradução do texto da Samara segue abaixo. Gostaria muito de obter a opinião de vocês a respeito. O que podemos fazer coletivamente? Vamos trocar ideias?
Nós não precisamos de controle mental
We Don’t Need No Thought Control
Nossos filhos estão em crise.
Eu trabalho com adolescentes em uma área suburbana rica.
Eles não compreendem o que lêem. Eles usam calculadoras para multiplicar 10 x 10. Um aluno mediano não tem a mínima ideia do que significa a palavra “diligente”. Eles escrevem ensaios semelhantes ao de um aluno do quinto ano. Sobre como Albert Einstein descobriu a eletricidade.
Em testes de leitura, ciências e matemática, aplicados a jovens de 15 anos de idade em todo o mundo, estamos atrás de vinte e nove países em matemática. E o desempenho de nossos filhos em leitura e ciências não é muito melhor. No entanto, o investimento norte americano em educação é inigualável, em nível mundial.
Nós lideramos o mundo no consumo de drogas recreativas ilegais. E um dos principais pontos de vendas são nossas escolas. Nossa taxa de suicídio entre adolescentes é a mais alta do mundo. Todos os dias há mais de 5.400 tentativas de suicídio feitas por crianças das séries 7 a 12.
Agora você está com medo?
Os dois lugares onde os adolescentes passam a maior parte do seu tempo são internet e escola. A internet mal nasceu e já está escancarando nosso mundo. Ainda não encontramos maneiras de efetivamente policiar o que se passa na comunidade virtual. Novas maneiras de distrair e distorcer mentes adolescentes são inventadas online todos os dias.
Sim eu sei. Você acompanha o seu filho online. Certo. Porque eles não descobriram como criar uma conta gratuita do Gmail, baixaram o Instagram sem o seu conhecimento e criaram um nome de usuário livre com essa conta.
TEMOS QUE MUDAR O QUE SE PASSA EM NOSSAS ESCOLAS.
Numa época em que os nossos orçamentos para a educação são sem precedentes, por que meus filhos estão MORRENDO EM SALA DE AULA?
Há uma assustadora desconexão entre impostos pagos e a qualidade da educação dos nossos filhos.
Os alunos são pressionados através de um sistema indiferente, com nenhuma melhoria substancial dos recursos em sala de aula. Estamos pagando por pensões e benefícios de saúde que nós simplesmente não podemos sustentar. Estamos financiando salários exorbitantes para superintendentes que alugam carros de luxo com dinheiro de nossos impostos, enquanto os cérebros dos nossos filhos estão sendo atrofiados EM MALDITAS SALAS DE AULA.
E quando o dinheiro faz o seu caminho de volta para os alunos, para onde vai?
Vamos falar de atletismo no ensino médio.
Pessoas pró-esporte argumentam que atletismo na escola fornece o exercício, o espírito de equipe e mantém os alunos envolvidos em sala de aula. Mas estamos obsessivos sobre esportes no ensino médio em detrimento dos assuntos acadêmicos.
As estatísticas variam. Algumas mostram que nós gastamos quatro vezes mais em esportes do que em assuntos acadêmicos.
Eu, pessoalmente, diria que o dinheiro gasto em esportes no ensino médio é dez vezes maior que o gasto no departamento de matemática. Os custos ocultos dos esportes no ensino médio são um pequeno segredo sujo.
O futebol é de longe o esporte mais caro. Existem os custos óbvios. A manutenção de um campo de grama por US $ 20.000 ao ano, a remuneração dos professores que atuam como treinadores, treinadores profissionais contratados com salários completos, o salário de um diretor de atletismo em tempo integral, as novas arquibancadas, o recondicionamento dos capacetes e da bola, mais de US $ 1.500 por equipe.
Agora vamos aos custos insidiosos. As despesas de viagem – ônibus, hotéis e refeições – para as equipes, a banda, e os líderes de torcida para jogos fora de casa. O custo dos professores substitutos quando os professores-treinadores viajam para os dias de jogo. Para jogos em casa, há a segurança contratada, o custo dos trabalhadores para pintar as linhas do campo e para limpar tudo depois.
Na minha área suburbana, branca e suave como um lírio, essas crianças têm tanta chance de jogar para a NFL como eu tenho de recuperar espontaneamente a minha virgindade.
Então porque é que todo esse dinheiro vai para o futebol?
E quantos milhões de dólares foram destinados a implementar o Common Core (*) – ou, a Morte da Aprendizagem, como eu carinhosamente me refiro a ele?
O Common Core empurra matemática goela abaixo dos estudantes sobrecarregados, obrigando-os a aprender as formas menos eficientes de resolução de problemas básicos. O Common Core é doutrinação na sua pior definição, um súcubo pedagógico que tem efetivamente destruído todo o controle parental do que está sendo ensinado.
O slogan do Common Core? “Prontidão nos estudos e na carreira”. Ele se concentra inteiramente nos benefícios materialistas de educação.
Carreiras. Capacitação para o trabalho. Habilidades da força de trabalho. Transforme os nossos filhos em tijolos na parede corporativa. Entrincheire todos na pornografia mais vil de todas – uma existência baseada no consumo conspícuo.
Comprar mais coisas.
Common Core = MORTE À CURIOSIDADE. CRIATIVIDADE. DESCOBERTA. PENSAMENTO DIVERGENTE.
Será que realmente importa para onde o dinheiro está indo, afinal? Ele está sendo despejado na ideologia educacional atual, que é obsoleta.
O nosso sistema de ensino é baseado em um modelo desenvolvido em 1850, no auge da Era Industrial. O objetivo era criar seres humanos robóticos, cujo comportamento poderia ser controlado. Prepará-los para uma vida complacente de trabalho na fábrica.
Tome todos os que tem a mesma idade, independentemente do interesse, ou de aptidão, e coloque-os numa sala isolada. Treine-os para se moverem ao som de um sino.
As escolas não ensinam nada, exceto como obedecer ordens. Escolas são irrelevantes para os grandes empreendedores do mundo.
Os professores não são o problema. Bem, alguns professores são. Muitos se envolvem apaixonadamente e trabalham duro.
Talvez, se nós pagássemos aos professores um salário decente para fazer o que é, essencialmente, o trabalho mais importante no mundo, poderíamos atrair mais talentos para esta profissão. Então poderíamos cortar o peso morto dos indiferentes e nos livraríamos daqueles que estão lá só pelos verões livres e benefícios.
O que nosso filho está realmente aprendendo?
A se mover quando um sino toca. A memorizar fórmulas científicas quando quer escrever poesia. A interagir com um grupo assustadoramente homogêneo de pessoas, apartado da verdadeira diversidade da experiência humana. A não ter nenhuma compaixão por aqueles que não podem se encaixar. A ser simultaneamente arrogante e passivamente dependente, enquanto os “pais helicóptero” pairam sobre sua cabeça.
O mundo está mudando em grande velocidade. Crescendo. Mas não da mesma forma quando nós crescemos.
A Internet facilita a entrega de informações de uma forma sem paralelos na história do mundo. Como resultado, a experiência humana é global. As culturas estão se misturando. Como nossos filhos podem se ajustar a fim de manter a harmonia em um mundo cultural diversificado?
E o que dizer dos 2 bilhões de pessoas que estão previstos para habitar a terra ao longo dos próximos 20 anos? Como eles serão alimentados, se não criarmos novos sistemas alimentares? Onde eles vão viver, se continuarmos a poluir e destruir cidades litorâneas? Como eles vão sobreviver, se não combatermos o inevitável crescimento de novas ameaças de saúde ao mesmo tempo em que crescem nossas resistências coletivas?
Estamos “educando” nossos filhos para um mundo que não vai nem mesmo existir pelo tempo em que eles serão adultos.
Como alguém vai sobreviver, se tudo o que é ensinado na escola é:
MEMORIZAÇÃO
REGURGITAÇÃO
PASSIVIDADE
CONFORMIDADE
Esqueça sobre decorar dados em uma geração de zumbis de teste múltipla escolha. Nós não precisamos que nossos filhos saiam da escola inúteis para os outros e para si mesmos.
Vamos parar de destruir a paixão deles, forçando esgoto acadêmico sobre eles. Por que estudantes do ensino médio aprendem geometria? É inútil, a menos que você esteja pensando em se tornar um artesão de colchas de retalhos.
Nosso desafio real? Treinar crianças para serem criativas, apaixonadas, independentes e inovadoras.
Ensine a elas algo útil.
Como usar um talão de cheques.
Como cozinhar uma refeição.
Como fazer crescer seres vivos.
Ensine a elas compaixão.
Envolva-as com o mundo real.
Faça com que o serviço comunitário seja parte de todo o processo escolar. Comece com as crianças menores, para que eles internalizem o desejo de dar de volta à comunidade, em vez de fazê-lo desapaixonadamente mais tarde, só para poder colocar mais um item em suas aplicações para a universidade, ou em seus currículos.
Ensine a elas independência.
Deixe-as escolher o seu próprio currículo de leitura. As crianças aprendem a desprezar a leitura porque o lixo prosaico atirado sobre elas para ler é doloroso.
Deixe-os estudar fora dos limites da escola.
Corte a grande quantidade de lições de casa, e dê a eles de volta o seu tempo. Tempo para descobrir a sua singularidade que assuntos fazem seus corações dispararem. E deixe-os correr atrás disso.
INSPIRE-AS
Eu vivo a 45 minutos de uma das maiores mecas culturais do mundo, e alguns dos meus alunos nunca foram para Nova York.
Incorpore passeios a museus. Deixe-os serem energizados e revigorados pelas brilhantes obras de arte.
Leve-os a concertos. Deixe-os ouvir uma sinfonia maravilhosa.
Exponha-os ao grande teatro.
Permita que eles experimentem outras vizinhanças.
Abra seus olhos! Abra suas mentes!
Seja qual for o lixo que eles estão tentando ensinar aos nossos filhos nas salas de aula, não está funcionando. Os alunos não gostam disso, não se preocupam com isso, ou retém qualquer informação um minuto depois de terem sido sabatinados.
Nosso sistema de educação é inchado, arcaico e burocrático, relíquia inútil imperial. Ele não pode ser consertado.
Vamos derrubá-lo e começar tudo de novo.
Como?
Eu não tenho as respostas. Eu nem tenho certeza de que estou fazendo as perguntas certas.
Mas esta é uma emergência. Você entendeu isso?
Eu sou apenas uma pessoa, e eu só posso fazer uma pequena diferença. Eu posso criar meu filho para ser criativo e ter livre pensamento. Eu posso ir para as reuniões do conselho escolar e reclamar. Eu posso envolver as pessoas em uma conversa sobre isso. Eu posso escrever sobre isso.
Eu posso clicar em “Publicar”.
SUA VEZ:
Você sente que as escolas são inúteis? Como isso pode ser mudado?
Seu filho do ensino médio sabe quanto é 7 x 8 sem olhar para uma calculadora?
Fale comigo. Estou ouvindo.
(*) O Common Core é uma iniciativa educacional dos Estados Unidos que detalha o que os alunos devem saber em artes e matemática no final de cada série. Pretende estabelecer padrões educacionais uniformes em todos os estados, bem como garantir que os alunos egressos do ensino médio estejam preparados para entrar em programas universitários de dois ou quatro anos ou para entrar no mercado de trabalho.
13 de Agosto de 2015 at 10:41
Que o sistema educacional vigente está falido não se vê apenas nas escolas, mas inclusive no mercado de trabalho, o que prova que faz tempo que não atende as necessidades das pessoas e nem aproveita suas potencialidades. Este texto e os links mostram que há saída para isso, mas teremos que construir este caminho nós mesmos, que amamos nossos filhos, e não queremos que eles passem pela experiência de inadequação e desgosto com o sistema de ensino da mesma forma que nós tivemos que passar.
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