Para falar de Pedagogia Waldorf e Antroposofia, mesmo que de forma bem resumida, resolvi dividir o assunto em vários posts e me concentrar, em primeiro lugar, nas minhas impressões sobre a mente iluminada de Rudolf Steiner. Uma mente muito à frente do seu tempo, cujas emanações reverberam até hoje na educação de milhares de crianças espalhadas pelo mundo.
Steiner nasceu na Hungria, bem na fronteira entre o Oriente e o Ocidente, em 27 de fevereiro de 1861 e passou a infância numa estação de trem, o que havia de mais moderno e tecnológico. Era um garoto diferente, pra se dizer o mínimo. Sensitivo, profundamente conectado aos mundos espirituais, mas também dotado de inteligência cognitiva e lógica admiráveis. Manifestava poderes de clarividência desde os oito anos e aos 15 já era autodidata em grego e latim. Nessa mesma época, descobriu a obra de Immanuel Kant e encontrou na filosofia uma maneira eficaz de sistematizar todas as suas descobertas.
O mais incrível pra mim, nessa vida e obra extremamente significativas, é que Steiner conseguiu vencer o desafio de unir dois mundos aparentemente irreconciliáveis: ciência e espiritualidade. Através do “conhecimento do ser humano”, a Antroposofia, Steiner viu o homem sob diferentes aspectos, formando um mosaico que integra as dimensões espiritual, emocional/mental e física. Teve o dom de amealhar ideias já estabelecidas (por exemplo, “Liberdade“, “Igualdade” e “Fraternidade“, da Revolução Francesa) e tecer com elas uma nova trama, como a teoria da Trimembração do Organismo Social (liberdade espiritual na vida cultural, igualdade democrática na vida jurídica e fraternidade social na vida econômica).
No fim da vida, tinha pressa de transmitir seu legado literário de mais de um milhão de páginas. Passou seus últimos anos ministrando palestras num ritmo frenético e registrando seus ensinamentos para a posteridade até pouco antes de sua morte, em 1925. A Antroposofia gerou muitos frutos: a Agricultura Biodinâmica, o Goetheanum e sua concepção arquitetônica inovadora, a Euritmia como expressão da dança curativa, inovações na Medicina e Farmacologia, com a fundação das farmácias Weleda, Terapias artísticas das mais variadas e a criação da Pedagogia Waldorf.
Em 1919, logo após o fim da Primeira Guerra, Steiner percebeu que o Iluminismo e o Positivismo, exaltando pura e simplesmente a razão, haviam levado o mundo ao colapso e não levariam o homem muito longe. A racionalidade acima de tudo não era a solução, mas voltar atrás, para a “Idade das Trevas”, também não resolveria os males econômicos e sociais. Numa tentativa de mostrar sua visão, Steiner começou a ministrar suas palestras e difundir seus conceitos antroposóficos. Ele viajava para os mais diversos locais, entre eles a fábrica de cigarros Waldorf Astoria, em Stuttgard, na Alemanha. Começou palestrando no chão de fábrica, mas percebeu rapidamente, através dos feedbacks dos participantes, que sua missão seria formar novas gerações. Dessa forma, criou diretrizes para educar os filhos dos funcionários e esse foi o protótipo da Pedagogia Waldorf.
O mais incrível é que ele conseguiu vencer o desafio de unir dois mundos aparentemente irreconciliáveis: ciência e espiritualidade.
A Antroposofia e a Pedagogia Waldorf dividem a existência humana em setênios, cada um deles correspondendo a um ciclo de sete anos de desenvolvimento e aprendizado, servindo de esteio para o ciclo subsequente. O processo educacional, organizado no esquema escolarizado, com a participação do professor, se dá nos três primeiros setênios, até os 21 anos. A partir daí, segundo Steiner, o ser humano teria plenas condições de criar seu próprio processo de aprendizado.
Essa maneira de ver o ser humano a princípio em três dimensões (espiritual, emocional e física) é chamada pela Antroposofia de Trimembração. Nesse contexto, o primeiro setênio, dos 0 aos sete anos, tem vital importância, pois nessa época se forma completamente o corpo físico, com todas as suas habilidades motoras e sensoriais. A teoria da exterogestação comprova que a criança não se desenvolve totalmente dentro da barriga da mãe durante os nove meses de gravidez: esse processo continua bem depois do nascimento. Cerca de 80% do desenvolvimento cerebral humano acontece fora do útero, até os três anos de idade. Até os sete anos, segundo a Antroposofia, a criança vai dominando o próprio corpo, no sentido da cabeça aos pés, conquistando gradativamente as habilidades de andar, falar e pensar.
A pedagogia Waldorf atua diretamente sobre esse “domínio do corpo“, propondo rotinas, ritmos, brincadeiras livres, atividades artísticas diversas e contato constante e intenso com os elementos da natureza para deixar fluir naturalmente essa capacidade de sentir o mundo através do próprio corpo e expressar no mundo as forças inatas do querer e da imitação. Essas forças infantis, quando acolhidas e canalizadas positivamente pelo adulto, geram na criança o sentimento de que “o mundo é bom“. A Pedagogia Waldorf prega que essa confiança básica no Bom e no Bem vai ajudar a criança a vencer os obstáculos que certamente encontrará em seu caminho nos setênios posteriores.
Nos próximos posts, vamos nos aprofundar mais nessa força inata do querer, entender um pouco mais sobre Trimembração (e outras maneiras de enxergar o homem, segundo a Antroposofia), conhecer melhor os três primeiros setênios e saber como nós, pais e mães, podemos ajudar nossos filhos a viverem cada um deles da melhor forma.
“Perseverança é aprender,aprender é praticar, praticar é repetir,repetir é ganhar experiência,experiência é crise,crise é prova,prova é fortalecimento, fortalecimento é liberdade,liberdade é criar do nada,criar do nada é transformar,transformar é caminho e fim ao mesmo tempo!”Rudolf Steiner
19 de Fevereiro de 2018 at 14:26
Olá, Verônica,
Interessante o seu artigo “O desafio de Rudolf Steiner”. Há várias coisinhas que poderiam ser melhoradas, e um erro perigoso: você chamou o Goetheanum de “templo”. Isso não está correto, e dá a impressão errada de que a Antroposofia é uma religião. O Goetheanum é um edifício na cidade de Dornach, Suíça, que é a sede da Sociedade Antroposófica Geral, e um centro cultural onde se realizam congressos, cursos, palestras e apresentações artísticas, todos abertos. O primeiro Goetheanum, que foi criminosamente incendiado na noite de São Silvestre de 1922 para 1923 podia, com suas duas enormes cúpulas (uma que cobria o público e outra, menor, para o palco), ser confundido com um templo, mas jamais foi idealizado como tal e um lugar de culto religioso. De fato, a inspiração inicial tinha sido um local para a apresentação das peças dos “Dramas de Mistério” escritos por Rudolf Steiner.
http://www.ime.usp.br/~vwsetzer
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19 de Fevereiro de 2018 at 15:46
Muito grata pela contribuição! Vou corrigir no texto!
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19 de Fevereiro de 2018 at 15:47
Que engraçada a coincidência, hoje mesmo estava falando do Goetheanum
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