Nesta semana vivi uma experiência incrível: fiz minha primeira aula de cerâmica e minhas primeiras peças, depois de quase 20 anos de espera. Uma paixão antiga, que só me permiti viver agora. Tive momentos de êxtase e gratidão, ao finalmente me render a esse sonho.

Essa história de moldar e dominar o barro, transformando-o no que quiser, de trabalhar com as mãos, sentindo a umidade e maciez da argila, sempre me encantou. Mas por que adiei tanto essa felicidade, esse prazer em minha vida? No fundo, eu sei. Fui vítima da “vida utilitária“. Dei esse nome porque pra mim é isso: fazer coisas simplesmente por gostar não pode, tá errado. O dever, sempre antes do prazer, isso sim.

Com a idade, algumas coisas decaem e se perdem, mas sinto a autenticidade querendo brotar na minha vida de qualquer jeito. Afinal, quanto tempo tenho pra fazer aquilo que realmente estou a fim de fazer? Essa busca desesperada por segurança, num mundo incerto, onde tudo muda o tempo todo, leva a gente pro lado onde o prazer quase nunca está. Em nome da segurança, muitas vezes vivemos uma vida opaca, porque temos medo de dar o grande salto. 

As manifestações artísticas e lúdicas hoje estão na mira do preconceito. Em nome da crise, o exercício da arte e da cultura se tornou algo “supérfluo”, quando na minha visão, é essencial, pois é nossa válvula de escape da vida frenética que levamos. Apreciar e cultivar o belo é alimento para nossas almas sedentas, que muitas vezes buscam alimento em lugares errados, aumentando ainda mais o buraco interno. Não são à toa nossos recordes de depressão e transtornos psiquiátricos.

Claro que, ao buscar a arte e o lúdico, temos que levar em conta nossa posição na sociedade, como pessoas privilegiadas. É muito difícil reconhecer nossos privilégios, mas é necessário (e assunto extenso, pra outro post). Há no mundo bilhões de pessoas para as quais viver é apenas chegar ao fim do dia e sobreviver. Talvez por isso nós, os privilegiados, tenhamos tanta responsabilidade diante das oportunidades que a vida nos oferece. O que fazemos com as bênçãos e talentos que recebemos? Como podemos procurar viver nossas vidas da maneira mais rica e significativa possível?

Quais prazeres simples da vida estamos nos negando, justamente porque estamos colocando o dinheiro acima de tudo? Nossos sonhos estão sintonizados com posses materiais ou com qualidade de vida? É possível ter tudo ao mesmo tempo? Penso que é preciso fazer uma escolha, sempre dando margem ao contraditório, já que nesse mundo maluco, podemos (e devemos) mudar de opinião muitas vezes. Só por agora preciso decidir se vou entrar no fluxo do mundo (consumo desenfreado, falta de olhar pra dentro, alienação, violência, egoísmo) ou se vou nadar contra a corrente.

Confesso que sou muito fraca pra fazer o movimento contrário o tempo todo. A corrente do mundo é infinitamente mais forte que eu e meus ingênuos esforços de mudar as coisas. Mas eu já aprendi que a mudança só é possível se partir de dentro pra fora. Então, auto-conhecimento é fundamental. E esse movimento, é em si mesmo, revolucionário, pois o mundo faz de tudo para nos alienarmos de nós mesmos.

Estou tentando encontrar meu próprio fluxo, dentro dessa contra-corrente, onde quero permanecer, pra que eu não precise mais fazer tanto esforço. Pra que algo maior que eu mesma me guie nessa jornada. E fazer coisas simples, que me dêem prazer alegria, é uma maneira de surfar nessa corrente.